No Congresso de Milão foi tomada uma decisão que trouxe grande impacto para a comunidade surda no Brasil e no mundo. Para saber por que esse evento foi tão relevante e por qual motivo ele até hoje é lembrado, confira nosso artigo.
O Congresso de Milão aconteceu quando?
Ocorrido na Itália, o Congresso de Milão foi realizado do dia 6 ao dia 11 de setembro de 1880. Ele reuniu educadores de surdos de todo o mundo com a finalidade de discutir sobre os métodos de ensino que eram utilizados naquela época.
No ano de 1880, um dos métodos mais utilizados na educação de surdos era a língua de sinais. Cada país, de acordo com uma estrutura própria, possuía uma língua de sinais que era utilizada pela comunidade surda.
Aqui no Brasil, este período coincidiu com um momento no qual a Língua Brasileira de Sinais – Libras começava a ser desenvolvida e usada com o objetivo de educar os surdos e também favorecer a comunicação das pessoas que apresentavam deficiência auditiva.
No entanto, ainda que as línguas de sinais estivessem ganhando força em todo o mundo e apresentando excelentes resultados, outras teorias educacionais defendiam a ideia de que a adoção da língua de sinais não era um bom método de ensino.
Desse modo, muitos educadores da época defendiam a ideia de que as práticas oralistas deveriam ser consideradas como principal (e até mesmo único) método de ensino.
Qual foi a decisão tomada no Congresso de Milão?
Ao final do Congresso de Milão, depois de muitos dias de apresentações, debates e votações, a decisão tomada pela maioria dos membros foi de que o método oralista puro era considerado o mais adequado para ser utilizado na educação dos surdos.
Em decorrência dessa decisão, as línguas de sinais (ou linguagens gestuais) deveriam ser praticamente eliminadas em todos os países que as utilizavam.
É preciso ressaltar que os participantes do comitê formado pelo Congresso de Milão eram ouvintes. Ou seja, eles não tinham plenas condições de decidir sobre qual método seria mais adequado às pessoas que apresentam surdez.
O motivo do Congresso de Milão ser lembrado até hoje é que ele representa o pensamento obscurantista da época quanto à educação dos surdos. A decisão tomada nesse evento trouxe um atraso gigantesco quanto ao ensino, aprendizado e divulgação das línguas de sinais, incluindo a Libras.
Congresso de Milão e suas resoluções
Para entender ainda melhor por que o Congresso de Milão foi um grande atraso para o desenvolvimento das línguas de sinais em todo planeta, vejamos quais foram as 8 resoluções definidas nesse evento.
1 – Os educadores de surdos que adotam métodos oralistas precisam se dedicar à criação de obras específicas sobre este método.
2 – É necessário que os surdos utilizem a língua oral durante a conversação com pessoas falantes, já que a fala é desenvolvida mediante a prática.
3 – O processo de educação e ensino de pessoas surdas precisa oferecer preferência ao uso da língua falada, abandonando o uso da língua de sinais (gestual).
4 – Com relação ao ensino dos surdos, é possível que a fala seja prejudicada pela utilização da língua de sinais de maneira simultânea com a língua oral. Por esse motivo, é preciso priorizar a utilização da língua articulada pura.
5 – No que se refere à entrada de uma criança surda na escola, a idade tida como ideal é entre 8 e 10 anos. Além disso, a criança precisará frequentar a escola pelo período mínimo de 7 a 8 anos. Os educadores de crianças surdas só poderão ter, no máximo, 10 alunos ao mesmo tempo.
6 – Para tornar possível a implementação do método oralista, é necessário que as crianças com deficiência auditiva recentemente admitidas nas escolas sejam orientadas por meio da fala e fiquem separadas das crianças que já foram alfabetizadas por meio da educação gestual.
Os alunos antigos (que receberam educação gestual) também precisarão receber os ensinamentos de acordo com o método oralista.
7 – O método mais adequado para que as pessoas surdas se apropriem da fala é intuitivo, abrangendo primeiro a fala e depois a escrita. É necessário que a gramática seja ensinada com exemplos práticos e com total clareza.
8 – É preciso que todos os governos adotem medidas cabíveis para favorecer o acesso dos surdos à educação.
Quais as consequências do Congresso de Milão?
Após definições feitas pelo Congresso de Milão, as regras começaram a ser aplicadas em todo o mundo. Diante disso, professores surdos foram removidos de suas funções.
Devido a essas regras, durante grande período do século 20, o mundo todo adotou o oralismo como método predominante de ensino às pessoas surdas. Com isso, todos os esforços para a criação e o desenvolvimento das línguas de sinais foram bastante prejudicados.
Em grande parte das escolas para surdos, os alunos eram duramente punidos ao serem observados usando a linguagem de sinais. Em determinados casos, as mãos dos alunos eram amarradas para impedir o uso de gestos empregados na língua de sinais.
Ainda que as proibições fossem muitas, as línguas de sinais continuaram a ser utilizadas informalmente, sobretudo em grupos fechados e nas residências.
Somente depois de vários anos de luta é que a Língua Brasileira de Sinais e outras línguas de sinais usadas em outros países puderam ser novamente utilizadas na educação dos surdos.
A partir de 1993, no nosso país passaram a ocorrer grandes mudanças na lei. Por meio dessas ações, houve um importante reconhecimento da Libras quanto língua oficial no Brasil.
Nos dias atuais, a Libras, a Língua de Sinais Francesa e a Língua de Sinais Americana consistem em importantíssimos recursos que possibilitam a comunicação para pessoas surdas.
Nesse contexto, a atuação do profissional tradutor e intérprete de Libras tem sido cada vez mais necessária em diversos locais como escolas, hospitais, tribunais, eventos, meios de comunicação etc.
Todo esforço deve ser empreendido para construir uma sociedade mais inclusiva, capaz de considerar as necessidades específicas dos mais diversos grupos.
Além de aprender sobre o Congresso de Milão, confira nossos demais temas com assuntos de grande interesse da comunidade surda.
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